domingo, outubro 25, 2009

"...SIM, E AGORA EU QUERO VOLTAR LÁ PRO CÉU..."
Nando Reis, Sim.







"...eu quero estar de volta
eu quero ter você quado estiver de volta
eu quero você pra mim
não dou pra ficar só..."





Seu sono cheio de sobressaltos fez com que ele também não tivesse uma boa noite. Era sorte ter alguém que lhe velasse o sono, ainda que a custa do próprio. Ela estava estranha nos últimos dias e seu par não a queria só. Não se importava em sacrificar o descanso para protegê-la, não imaginava seu mundo sem ela. Apesar da rotina extenuante, ainda lhe sobrava ânimo para as gentilezas e carinhos dos amantes.
Ela não queria levantar e pediu que ficasse com ela. Ele não podia atender, mas prometeu ficar um pouco mais, arrumar-se um pouco mais rápido, quando fosse sair, para lhe fazer algumas vontades. Ela estava irritadiça, e ele pouco a reconhecia. Começou a se incomodar com tantos caprichos, o trabalho o aguardava. Seriam vinte e quatro horas tensas, será que ela não entendia?
Ele não quis briga, via com clareza o quanto iria atrasar, mas lhe deu algo para que relaxasse e ficou a seu lado, até fazê-la adormecer. Ela sentiu o calor do peitodo moço sob sua cabeça, se encheu de segurança e nem percebeu seus movimentos ao deixar a cama. Ele não tinha tempo para ponderar os medos da sua menina, precisava do salário no fim do mês e, no fim, tinha a presumida invulnerabilidade que todo homem carrega em si.
Arrumou-se sem barulho, deixou um "EU TE AMO" apressado escrito num pedaço de papel, preso embaixo do celular dela, e fechou a porta de casa sem alarde. Guiou entre os carros com a sensação de que devia voltar e sentiu-se tolo por se deixar contagiar pelas apreensões de alguém que não entende a lógica de seu dia a dia.
Ao chegar, a atmosfera de força do lugar lhe deu ânimo. Todos haviam saído, poucos homens ocupavam seus postos de trabalho. Não demorou muito sua presença foi exigida e um aperto no peito lhe falava do que ainda não havia feito. Teve vontade de ligar pra casa, de dizer que a amava, mas não havia tempo. Embarcou na aeronave checando seu equipamento, queria ter mais que certeza de que a missão correria bem. Os companheiros falavam de trivialidades, riam, enquanto sobrevoavam o Rio. Quantas não foram as vezes que embarcaram naquele mesmo voo? Ele pegou o rádio e esperou completar a ligação.
Ela acordou tarde e ligou a TV. A preguiça indo embora aos poucos, os sentidos se apresentando, um a um. Entrou no banho sem vontade e, ao sair, algo captou sua atenção. Na tela da televisão, um helicóptero em chamas. Na mesinha, na cabeceira da cama, um celular tocando, frenéticamente. Embaixo do telefone, um "EU TE AMO" rabiscado e a assinatura inconfundível marcando o papel. Ela atende o celular, não tira olho da TV. A voz do outro lado lhe conta de um horror pro qual nem seu medo irracional a podia ter preparado. Ela senta na cama, sem poder responder. Vê a TV, mas não ouve seus sons, não consegue ler as legendas na tela, não consegue lembrar de quem ela é.
Sentada na cama, abraçada ao travesseiro dele, ela reza pra que as últimas horas sejam só um pesadelo onde homens de bem saem pro trabalho e morrem abatidos em pleno ar, como pássaros na temporada de caça.




playlist


Nickelback - Save Me
ColdPlay - Lost
ColdPlay - 42
Keane - Everybody's Changing
Matchbox 20 - These Hard Times
Matchbox 20 - How Far We've Come




*(dis)sabores cotidianos*

domingo, outubro 04, 2009

"...THE QUIET SCARES ME CAUSE IT SCREAMS THE TRUTH..."
Pink, Sober.








"...I'm safe up high
nothing can touch me
but why do I feel this party is over?
no pain inside
you're my protection
so how do I feel this good sober?..."





O primeiro pensamento consciente veio em forma de interjeição: "CARALHO!". Abrir os olhos de uma vez se mostrou uma imbecilidade - o mundo gira e o maldito sol me queima a retina. Viro de bruços tentando acalmar o enjoo e fugir da luminosidade - "ARGH! AREIA!!!".
O celular no bolso e a bolsa ao alcance da mão provam, mais uma vez, a razão de quem defende a teoria de que 'Deus protege os bêbados' - "O que, DIABOS!, estou fazendo aqui???" - Nenhum flash da noite, nada em que me apoiar, nenhum rosto conhecido numa praia quase deserta, salvo por aquelas figuras peculiares ainda brincando com malabares.
Tento sentar na areia - "O que foi que eu bebi???" - e a cabeça lateja. Procuro a carteira na bolsa, e ela está intocada, assim como a cigarreira, a necessaire e as chaves da motocicleta. No celular, dezoito chamadas não atendidas - mamãe só ligou uma vez, há quarenta minutos. São quase sete da manhã e constato que dezessete chamadas foram originadas de um único número - "IDIOTA!".
O enjoo fica mais forte e ainda não lembro por que, mas já sei bem por quem vim parar aqui. Preciso de um café forte e um banho, não importa a ordem, mas antes preciso chegar em casa. Como? Preciso de um táxi - politicamente correta é o cacete, só não tenho condições de pilotar... Levantar exige um esforço sobrehumano, caminhar pela areia, tonta, é uma tortura. Pareço mil vezes mais pesada, lenta, desarrumada... Deprimente!
O hino do Flamengo toca em algum lugar, e eu demoro a fazer a conexão com meu telefone. Finalmente atendo, sem saber a quem. A voz do outro lado me dá uma ânsia de vômito maior do que a vodca barata que, com certeza e entre outras coisas, bebi. Passo alguns segundos ouvindo um blá blá blá interminável até alcançar a pista e entrar, em seguida, num táxi que providencialmente surgiu dos céus. Oriento o motorista e continuo a ouvir a ladainha monótona, repetitiva, desnecessária. Lembro que o cidadão que fala foi justamente a causa da sequência desastrosa que me leva para casa num domingo de manhã, pouco sóbria e muito puta! Sugiro que ele vá para o inferno e o choque deve tê-lo feito calar a boca. Aproveito para dizer tudo o que penso que ele deva fazer, além de calar a boca e ir pro inferno.
Durante alguns minutos o monólogo é meu: digo todas as coisas que os anos acumularam em nossa porta, todos os pequenos episódios que viraram o monstro do armário que assombra nossos sonhos, tudo aquilo a que não demos importância. Falo do nosso inferno pessoal e peço pra que ele não esteja no meu apartamento, no momento em que eu chegar. Ele tem quinze minutos e eu, bom, tenho uma vida inteira...





playlist

Ana Carolina
James Morrison
Nando Reis


LOUD: Pink - Sober.





"some relief"