sábado, abril 10, 2010

"...I FOUND OUT THAT LOVE WAS MORE THAN JUST A GAME..."
Gary Moore, Still Got The Blues.







"...you're playing to win
but you loose just the same
so long, it was so long ago
but I've still got the blues for you..."




Teve saudades de casa, e do colo da mãe. Viajou algumas horas sob um céu nublado que lhe lembrava algum momento, por mais que não conseguisse precisar qual era. Novos amigos, velhos conhecidos, concentrados no mesmo espaço. Estacionou o carro, beijou a irmã na testa, jogou as chaves pra ela e caminhou pelas ruas da infância. Um chuvisco começou a cair e já estava meio longe da casa materna, mas dentro dos limites do que lhe era familiar. Passou por uma rua que vinha evitando há anos, para cortar caminho, e, como atraído por um imã, ele apareceu: guiando o mesmo carro, mas o modelo do ano, impaciente com o controle do portão, como sempre.
O ar ficou mais pesado, por pouco segundos, e ele partiu. Ela tinha certeza de não ter sido percebida, até que o carro parou, um pouco à frente.

- Oi! Quase não te reconheci, menina!
- Olá... - ela estava entre o ódio de si mesma e a raiva dele, por ter resolvido parar.
- Entre, não estou fazendo nada, mesmo. Te dou uma carona. Você está meio longe de casa, não é?
- Centenas de quilômetros, pra ser sincera, mas meu carro está na garagem da minha mãe.
- Tão longe? Acho que devo ter passado tanto tempo fora que nem tive tempo em reparar nos detalhes do dia a dia corrido daqui, não é? Jurava que você não teria deixado sua mãe... - um sorriso iluminou aquele rosto e ela lembrou.


Era outono, em Londres. O final desastroso para a viagem que lhes devia ter salvo uma relação cheia de tropeços, com um início de conto de fadas e um fim tão anunciado quanto real, duro... Afastando os pensamentos, decidiu ceder a qualquer menor provocação. Iria dizer tudo o que viera entalado, desde o Velho Continente!


- ... e você nem ouviu o que eu disse! A mania de não me dar atenção permanece ou será que dessa vez eu posso ter esperanças em ocupar um espaço maior? - muito mais rápido do que ela pensou!
- Olha, preciso ir... - ainda tentou ser civilizada...
- Fugindo, como da última vez!
- Fugindo do quê? - a linha tênue. O limite - Quem você é? O que você representa para que eu precise fugir?


Ele não esperava reação tão contundente. Nem ela, que fez menção de sair do carro, ele a deteve.


- Você jogou fora um monte de coisas. Planos! Meus, seus... Nossa casa, nossas coisas, nosso casamento! Fugiu, sim... Eu ainda consigo te ver me dando as costas naquele aeroporto! O dia era como hoje, com um oceano de distância! Como a vida é irônica, não é? Essa cidade quente, ensolarada, vestida de chuva só pra nos brindar? - ele não entendeu e ela estava tentada a explicar, anos depois.
- Sua casa! Suas coisas! Seu casamento! Eu tive uma participação muito pequena nisso tudo! Na verdade eu fui muito mais uma questão logística do que uma paixão avassaladora! Você precisava de uma desculpa pra sair de casa. Inventou um casamento! Ignorando coisas como maturidade ou sentimentos alheios, você precisava de uma desculpa para seguir com seu mundo perfeito. Era uma chance em um milhão: uma esposa que tinha potencial pra ser perfeita, já que a certeza era impossível, que conhecia e contava com a simpatia da sua mãe, que poderia viver a sua fantasia de relação ideal. Alguém que iria se dispor a anular qualquer traço de vontade própria para agradá-lo. Alguém que conseguisse passar por cima de solidão e falta de atenção por uma ou duas viagens à Europa por ano! - ela não iria poupá-lo, como da última vez - Mas você errou! ERROU! Diferente dos êxitos com que se acostumou, você errou, feio! Eu seria capaz de anular minha vontade, mas não de passar por cima de qualquer coisa.


Ele ligou o carro. Guiou a esmo. Os dois, calados. A tensão nos olhos, a impaciência nas mãos que seguravam o volante. Ela pediu a ele para parar. A intensidade da chuva cada vez maior, como que refletindo os espíritos dentro do carro. Ele continuou a guiar, estava tonto, queria respostas, achava que ela devia algo.


- Você foi embora sem grandes explicações... Eu fiquei lá, sem poder falar e sem nada o que ouvir!
- A única grande explicação que você me ofereceu para o passo que demos era mentira!
- É você quem está dizendo! Como em Heathrow, não me dá chances para explicar... - foi a vez dela interrompê-lo.
- Chances!?!? Eu viajei até o outro lado do mundo pra tentar dar uma chance àquela mentira! Horas sentada ao seu lado, dentro de um avião, com tanta comunicação que podia ser um chinês desconhecido ao meu lado! Daria na mesma! Mais de vinte dias em outro continente e você, muito pouco convincente! Nenhum relacionamento resiste ao cinismo!
-Nenhum relaconamento resiste a filhos! Você tem o exemplo dos nossos pais! Só conveniência! Eles deixaram de ser marido e mulher desde quando tiveram filhos... os meus pais, os seus pais! O que te leva a crer que seria diferente com a gente? - ele foi direto ao ponto.
- Nenhum relacionamento resiste a um aborto! Principalmente quando alguém faz uma festa de comemoração enquanto há um bebê morto e uma mulher internada! E não me diga que eram negócios aquele monte de copos de wisky espalhados pela minha... sua sala de estar! Não era isso que os vizinhos diziam quando cheguei em casa, no dia seguinte, e eles achavam que você tinha passado a noite comemorando a volta da sua família pra casa! - sentiu o amargor na ponta da língua.
- Não foi culpa minha! Nem sua! Foi um tombo normal, sem grandes consequências se você não estivesse grávida! Não foi culpa minha...
- Você comemorou! Você não teve o respeito de ir comemorar fora da minha casa! - ela estava beirando a histeria.
- Não nego que eu não quisesse, eu não queria, não pedi aquilo! Mas você estava feliz, era o suficiente pra mim. Eu tinha medo, claro. Foi um início difícil, mas não fui eu quem te fez cair. Não foi culpa de ninguém. E eu não torci pra que você perdesse a criança!
- Você comemorou!!! - ela gritava.
- Você foi embora, eu não pude tentar...
- Eu passei vinte dias com você em Londres e você não tocou no assunto uma só vez. O primeiro mês sem ele. Você não tentou me consolar, você nem consegue dizer que era seu filho! Você me arrastou por todas as galerias, castelos e museus do Reino Unido, sem me dar chance para respirar!
- Era minha forma de fazer as coisas... E de me desculpar pela bagunça em casa, quando você chegou do hospital...
- Não me convenceu... Nem lá, nem aqui. E não me importa quantos anos se passem, eu não vou ser convencida das suas boas intenções! - dura, ela percebeu que a chuva havia arrefecido - Deixe-me descer do seu carro e volte para a sua vida. Eu não vou lembrar que te encontrei, não vou me torturar por isso. Apague esses poucos minutos, você bem sabe que é capaz!
- Você ainda é minha mulher. Depois de anos, ainda é assim. A lei ainda te reconhece assim. E eu não consegui ocupar esse espaço. Não estou te pedindo para voltar... Você não vai entender... Nós ainda somos um... Nem tomamos as precauções legais para desfazer os laços, isso deve ter algum significado!
- Claro! Significa que nem para me livrar do seu nome eu estava disposta a encontrá-lo. E que, pelo menos, vergonha você deve ter sentido, pra me fazer o favor de não me procurar! Pare o carro!


Ele foi parando, até que ela percebesse estar no portão da mãe.


- Eu não vou deixar você ir. Não dessa vez! - ele parecia decidido.
- Eu já fui! - Ela saiu, batendo a porta do carro. Entrou em casa, até a sala de estar. Pegou as chaves do seu carro e saiu, sem falar com ninguém.

Chorou por todos os quilômetros de volta. Cada um deles. Deixou o celular tocar um sem número de vezes. Mandou uma mensagem de texto breve para a irmã, avisando que estava tudo bem e que havia retornado para atender uma emergência. Sequer guardou o carro na garagem: largou o veículo estacionado em frente ao portão e entrou, se jogou no sofá da sala, sem lágrimas, até adormecer. Sonhou com ele, acordou assustada. Não conseguia esquecer seus olhos, não podia esquecer que ele queria se explicar... Voltou a adormecer, com os olhos dele no pensamento...





playlist



Zélia Duncan - Tudo Sobre Você
Ana Carolina - Dois Bicudos
Engenheiros do Hawaii - Eu Que Não Amo Você
Isabela Taviani - Foto Polaroid
Nando Reis - Sim





*em partes*

terça-feira, abril 06, 2010

"...LOVERS ALWAYS COME AND LOVERS ALWAYS GO..."
Guns 'N Roses, November Rain.








"...and no one's really sure
who's letting go today walking away
if I could take the time
to lay it all in the line
I could rest my head
just knowing that you were mine..."




Vestiu a fantasia de vítima para escrever frases comoventes. Não deu certo. A imagem dele se fez presente em sua lembrança, e tudo o que pôde fazer foi sorrir. Lembrar do porte que sempre lhe tira o fôlego, dos ombros que carregam se peso, sempre que lhe pede, só podiam se traduzir em felicidade instantânea, miojo pra alma. Recordou o sorriso imperfeito, o mais belo que existe, e o peito acelerou! Se ele pudesse vê-la naquele momento...
A face corada pelos bons pensamentos, ondas de prazer inundando o corpo, o espírito leve. Sonhou acordada e esqueceu seus escritos. Não sabia de mais nada que não fosse a contemplação mental daquele que era seu sonho, e sua realidade. Tinha uma encomenda, um texto soturno, um lamento, para ser entregue naquela tarde. Abriu a janela e inspirou o ar limpo, frio, pegou o telefone e ligou para o editor. Confessou sua incapacidade de ser infeliz e a impossibildade de entregar o pedido. Nem um abalo, sequer, com as queixas e imprecações do amigo. Resolveu desligar, antes que ele começasse a questionar toda sua felicidade, foi pra rua, assoviando uma canção de amor.



playlist

Counting Crows
Maroon Five
Matchbox Twenty
James Morrison



*(in)love*